Você é Hands On?

By | 2 de julho de 2007

Você é Hands on? – Max Gehringer (Colunista Revista EXAME)

Vi um anúncio de emprego. A vaga era de gestor de atendimento interno, nome
que agora se dá a seção de serviços gerais. E a empresa exigia que os
interessados possuíssem – sem contar a formação superior – liderança,
criatividade, energia, ambição, conhecimentos de informática, fluência em
inglês e não bastasse tudo isso, ainda fossem hands on. Para o felizardo que
conseguisse convencer o entrevistador de que possuía essa variada gama de
habilidades, o salário era um assombro: 800 reais. Ou seja, um pitico.

Não que esse fosse algum exemplo fora da realidade. Pelo contrário, é quase
o paradigma dos anúncios de emprego. A abundância de candidatos permite
que as empresas levantem cada vez mais a altura da barra que o postulante
terá de saltar para ser admitido.

E muitos, de fato, saltam. E se empolgam. E aí vêm as agruras da
super-qualificação, que é uma espécie do lado avesso do efeito pitico…
Vamos supor que, após uma duríssima competição com outros candidatos tão
bem preparados quanto ela, a Fabiana conseguisse ser admitida como gestora
de atendimento interno.. E um de seus primeiros clientes fosse o seu Borges
Gerente da Contabilidade.

* Fabiana, eu quero três cópias deste relatório.
* In a hurry!
* Saúde.
* Não, isso quer dizer “bem rapidinho”. É que eu tenho fluência em inglês.
Aliás, desculpe perguntar, mas por que a empresa exige fluência em inglês
se aqui só se fala português?
* E eu sei lá? Dá para você tirar logo as cópias?
* O senhor não prefere que eu digitalize o relatório? Porque eu tenho
profundos conhecimentos de informática.
* Não, não.. Cópias normais mesmo.
* Certo. Mas eu não poderia deixar de mencionar minha criatividade. Eu já
comecei a desenvolver um projeto pessoal visando eliminar 30% das cópias
que tiramos.
* Fabiana, desse jeito não vai dar!
* E eu não sei? Preciso urgentemente de uma auxiliar.
* Como assim?
* É que eu sou líder, e não tenho ninguém para liderar. E considero isso um
desperdício do meu potencial energético.
* Olha, neste momento, eu só preciso das três có…
* Com certeza. Mas antes vamos discutir meu futuro…
* Futuro? Que futuro?
* É que eu sou ambiciosa. Já faz dois dias que eu estou aqui e ainda não
aconteceu nada.
* Fabiana, eu estou aqui há 18 anos e também não me aconteceu nada!
* Sei. Mas o senhor é hands on?
* Hã?
* Hands on.. Mão na massa.
* Claro que sou!
* Então o senhor mesmo tira as cópias. E agora com licença que eu vou sair
por aí explorando minhas potencialidades. Foi o que me prometeram quando eu
fui contratada.

Então, o mercado de trabalho está ficando dividido em duas facções:
1 – Uma, cada vez maior, é a dos que não conseguem boas vagas porque não
têm as qualificações requeridas.
2 – E o outro grupo, pequeno, mas crescente, é o dos que são admitidos
porque possuem todas as competências exigidas nos anúncios, mas não poderão
usar nem metade delas, porque, no fundo, a função não precisava delas.

Alguém ponderará – com justa razão – que a empresa está de olho no longo
prazo: sendo portador de tantos talentos, o funcionário poderá ir sendo
preparado para assumir responsabilidades cada vez maiores. Em um a empresa
em que trabalhei, nós caímos nessa armadilha. Admitimos um montão de gente
superqualificada. E as conversas ficaram de tão alto nível que um visitante
desavisado confundiria nossa salinha do café com a Fundação Alfred Nobel.

Pessoas superqualificadas não resolvem simples problemas! Um dia um grupo de
marketing e finanças foi visitar uma de nossas Fábricas e no meio da
estrada, a van da empresa pifou. Como isso foi antes do advento do milagre
do celular, o jeito era confiar no especialista, o Cleto, motorista da van.
E aí todos descobriram que o Cleto falava inglês, tinha informática e
energia e criatividade e estava fazendo pós-graduação. Só que não sabia nem
abrir o capô. Duas horas depois, quando o pessoal ainda estava tentando
destrinchar o manual do proprietário, passou um sujeito de bicicleta. Para
horror de todos ele falava “nóis vai” e coisas do gênero. Mas, em 2
minutos, para espanto geral, botou a van para funcionar. Deram-lhe uns
trocados, e ele foi embora feliz da vida.

Aquele ciclista anônimo era o protótipo do funcionário para quem as
empresas modernas torcem o nariz – O que é capaz de resolver, mas não de
impressionar.

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